Os fantasmas que me assombram agora são sempre acolhidos.
Eu os chamo pelo nome e convido para sentar e conversar.
Era um ritual diário e de anos.
Usava sempre um bom sabonete líquido primeiro, esfoliava a pele de vez em quando, secava bem e em seguida usava água thermal ou água micelar.
Neste horário, a roupa ja estava esticada sob a cama, tudo bem organizado.
Primeiro o filtro com cor, para uniformizar a pele e esconder os muitos melasmas acumulados de uma vida de garota verão.
Depois alinhava as sobrancelhas, escovava-as por várias vezes, já se observavam algumas falhas que ela insistia em fazer crescer com aplicação de minoxidil.
Marcava com delicadeza a linha dos olhos com delineador marrom. Ouviu dizer uma vez que dava profundidade ao olhar, como se ela precisasse…
Algumas camadas de rímel. Sim, ela tinha orgulho daqueles cílios que todos perguntavam se era postiço. Levantava bem os olhos, principalmente em dias não tão animados, dava-lhe um ar sofisticado, de mulher bem cuidada.
Depois dedicava-se a aplicação do blush. Era sempre um tom muito próximo de sua rosácea.
Ela corava as vezes. Não sempre, mas era comum em algumas conversas ou quando pensava algo que não podia verbalizar.
E por último vinha o batom.
De alguns anos para cá, escolhia cores mais intensas. Cansou dos vários tons de nude. Era uma nova fase, queria mostrar-se colorida mesmo, era o seu momento.
Arrumada,ela se sentia pronta para tudo.
A maquiagem era a película necessária para protegê-la de tudo que precisa ser.
Sempre havia um retoque no meio da tarde.
À noite, ela sempre voltava cheia de si e das realizações do dia.
Retirava tudo, sabia que faria tudo igual no dia seguinte, mas se olhava sem maquiagem e despida de tudo que pudesse pesar.
Gostava daquilo, mas nunca se inibiu por estar de cara limpa.
Ela gostava de sentir o conforto de estar bem na própria pele.
Fui no correr do tempo, impaciente comigo.
Sem me dar conta de que o movimento por si só já é um avanço.
Tantos desistem ao menor contratempo.
Então vejo que estou aprendendo quando sou menos crítica comigo e aceito as minhas imperfeições.
O mundo me tratará como eu mesma me trato.
Aprendi com o sofrimento que nunca devo ter medo de perder alguém. O que devo temer, é perder a mim mesma.